Artigo de Dom Amilton Manoel da Silva, CP
O mês de setembro, no Brasil, é dedicado à Palavra de Deus; não simplesmente como um tempo em que a Bíblia é colocada em relevância diante dos Católicos, mas como período de conscientização de que, sem o contato direto com a Palavra divina, não existe vida cristã autêntica.
Depois desta consideração, convido-te a rezar no poder da palavra, uma vez que, a Bíblia inicia falando da Palavra criadora de Deus. “No princípio Deus criou o céu e a terra…” (Gn 1,1). A expressão “Deus disse” se repete oito vezes (Gn 1,3,6,11,14,20,24,26,29), significando que nada existia e do nada, um Criador, não criado, deu origem a todas as coisas; nós cristãos o chamamos DEUS! Houve um ponto inicial, uma ordem: Faça-se! E a terra seca apareceu, as plantas brotaram, as flores desabrocharam, as árvores frutíferas floresceram e os animais surgiram. E nesta origem de todas as coisas o ser humano teve um lugar de destaque: Deus criou o homem e mulher a sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26-27); foi o coroamento de tudo o que foi criado.
Desde os tempos apostólicos, a Igreja Católica crê e ensina que Deus é o autor da Sagrada Escritura ao inspirar seus autores humanos; age neles e por meio deles. Fornece assim a garantia de que seus escritos ensinem, sem erro, a verdade salvífica (CIC nº 136). Portanto, não se trata de uma obra científica ou um manual que descreve de forma credível o “aparecimento” das coisas sensíveis e a origem dos povos, mas um livro que revela verdades teológicas sobre a natureza e o propósito dos humanos.
A ação criadora de Deus, sua força e poder está na Palavra: Faça-se! É uma Palavra viva onde se realiza aquilo que se declara. Ao longo de toda a Bíblia, a Palavra de Deus pronunciada tem poder em si mesma. Deus fala e acontece. Sua fala e seu agir se confundem, pois, ao final, são a mesma coisa. Neste sentido, os Evangelhos falam do assombro das pessoas diante da força e da autoridade das palavras de Jesus: “Que Palavra é essa?” (Lc 4,36). A parábola do semeador é outra demonstração da Palavra de Deus, simbolizada pela semente, que tem em si o poder de se transformar, brotar, crescer e frutificar.
A nossa concepção também aconteceu através da Palavra divina: Faça-se! Essa afirmação é o reconhecimento de que não somos frutos do acaso, mas criados pelo desejo divino, como afirma o apóstolo Paulo na carta aos Efésios: “Deus nos escolheu em Cristo, antes da criação do mundo, para sermos diante Dele, santos e imaculados, no amor” (Ef 1,4). A Palavra de Deus sobre nós não apenas nos criou, mas nos cria e nos sustenta a cada segundo de nossas vidas! Ela é o projeto de Deus único e individual para cada um de nós, pois Deus não faz “fotocópias”, mas originais; e no seu Filho Jesus somos filhos profundamente amados e desejados por Ele. “Somos aquilo que Deus pensa de nós”, disse santa Teresinha do Menino Jesus.
Outro elemento a considerar é que Deus também nos deu um poder criador na palavra, ou melhor “recriador”. Neste sentido, o modo como nos comunicamos poderá dizer muito de nós. Nossas palavras expressam o que somos e poderão dizer o que não somos, dependendo do estado emocional que nos encontramos, uma vez “que a boca fala daquilo que o coração está cheio” (Mt 12,34). Pelas palavras podemos matar ou dar vida, amaldiçoar ou bendizer, apontar caminhos ou lançar pessoas no abismo.
A palavra tem o poder de criar relacionamentos verdadeiros e sadios, porque é norteadora e esclarecedora. Acrescida de afabilidade, ela permite que enxerguemos a vida e as pessoas com os olhos do coração, através das lentes da empatia e do amor. Fico a pensar na palavra “bem-dita” dos pais, o quanto pode melhorar a vida e a autoconfiança dos filhos; numa palavra de elogio de quem presenciou o belo; de gratidão de quem recebeu uma ajuda; de encorajamento de quem experimentou a fraqueza; de bom humor de quem aprendeu a viver bem e de forma leve.
A palavra também é sinônimo de evangelização: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho…” (Mt 16,15). O cristão tem por responsabilidade e compromisso falar, anunciar o amor de Deus que experiência, já que “a alegria do Evangelho encheu o seu coração e sua vida, e com Jesus renasce sem cessar a alegria” (EG 1). Como imaginar a missão sem a palavra que dá credibilidade à fé? Muitas vezes também o silêncio poderá substituir as palavras; dependendo do contexto, o silêncio será evangelizador e profético.
Neste mês da Bíblia, deixemo-nos iluminar ainda mais pela Palavra de Deus; reservemos um tempo para lê-la, rezá-la e praticá-la, a exemplo de Maria, a Senhora de Belém. Sabendo do poder da palavra, que tenhamos mais cuidado e prudência ao proferi-las e que o Senhor nos conceda a graça de sermos sempre palavra, Evangelho vivo na vida de alguém.