Artigo de dom Amilton Manoel da Silva, CP, bispo da diocese de Guarapuava (PR)
Muitas vezes buscamos definir a fé, porém não é fácil defini-la, pois se trata de um dom, onde é Deus quem toma a iniciativa e vem ao nosso encontro. Dessa forma, a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, que age em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros. Podemos sim expressá-la, mas a linguagem humana é limitada para descrever o inexplicável.
A palavra fé tem origem no grego pistis, que indica a noção de “acreditar”, mas que vai além de “crença”, ou seja, “acreditar que Deus existe”, o que já é o primeiro passo. O significado profundo da palavra grega é “dar o coração”, confiar, entregar-se… No latim fides, remete à “fidelidade”. No contexto cristão, a fé é a primeira das virtudes teologais, recebida no Batismo, juntamente com a esperança e a caridade, porém a recebemos em semente; nosso compromisso ao longo da vida será regá-la e alimentá-la para que se torne uma grande árvore que produza frutos para a eternidade.
Mas a fé tem um caráter somente individual? Vivo a minha fé sozinho? O ato de fé é eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e sinaliza uma troca de direção, uma conversão pessoal. No entanto este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, mas é fruto de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder, que me faz sair de mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai.
Todavia, não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade: a Igreja, que me insere na multidão dos crentes em uma comunhão que não é somente sociológica, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. É na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce, amadurece e se confirma na experiência com os dons de Deus: a Sua Palavra, os Sacramentos, o sustento da graça e o testemunho do amor.
Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “Credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, na harmoniosa polifonia da fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro: “Crer” é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, sustenta e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe dos homens e mulheres de fé, e como afirma São Cipriano: “Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai, se não tem a Igreja como Mãe”.
O apóstolo São Tiago assegura que “a fé sem obras é morta” (Tg 2,17). No entanto, esta afirmação não se refere ao sentido de “obras da lei”, mas de ações concretas de amor que traduzem a fé em uma forma de vida coerente. Dessa forma, o apóstolo nos ajuda a ir além do abstrato, vencendo o intimismo e nos possibilitando adentrar o mistério que se revela visivelmente no outro, através da caridade; como nos interpela o próprio Senhor: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes pequeninos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40).
A tendência na sociedade moderna é de relegar a fé ao âmbito privado. O mais grave é quando se dá dentro da própria Igreja, partindo de cristãos, que se auto afirmam possuidores da genuína fé Católica, buscando viver sem comunidade ou buscando comunidades que vivem um estilo pré Concílio Vaticano II, como negação das decisões do Concílio. Ainda mais grave, quando ouvimos ataques ao Sumo Pontífice, aos Bispos, Sacerdotes e lideranças que pregam a comunhão, a fraternidade e a compaixão, à luz do Concílio Vaticano II e da Doutrina Social da Igreja. Por isso é bom lembrar: no Batismo recebemos a fé da Igreja e como membros dela transmitimos a fé dada por Jesus Cristo, sobre Pedro, fundamentada na Revelação (Bíblia), na Tradição e no Magistério dos Papas.
Não tenhamos medo de expressar nossa fé cristã em todos os lugares e situações. Não tenhamos receio de sermos incompreendidos, ao defender valores pautados na fé da Igreja. Afinal, a fé não se traduz apenas no resultado de um acontecimento milagroso ou inexplicável! A fé é um ato de coragem, muitas vezes sem razão ou sem explicações.