Artigo do padre Cristóvam Iubel
Vigário da paróquia Santa Cruz e Nossa Senhora das Dores, de Guarapuava.
A Campanha da Fraternidade deste ano de 2023 é um “soco no estômago”, pois nos deixa frente a frente com um de nossos pecados mais visíveis e vergonhosos. Trata-se da FOME, requisito básico para todos os seres, e que deve ser saciado cotidianamente.
A lei pétrea da existência grita alto: quem não se alimenta, morre! Olhemos agora pelo retrovisor da história: a Igreja no Brasil, em unidade e comunhão com a Igreja universal, assume o Tempo da Quaresma como tempo de oração, jejum e esmola.
Pela oração somos chamados a priorizar o nosso encontro com Deus ou, antes, deixar-nos tocar por Ele o mais intimamente possível.
Pelo jejum somos chamados a dar um valor relativo a tudo o que não é Deus, tendo apenas neste a nossa razão última para viver.
Pela esmola somos chamados a buscar a justiça e a caridade, entregando a cada um o que é seu, e partilhando, inclusive, da nossa pobreza com quem tem menos do que nós.
A Campanha da Fraternidade unifica a oração, o jejum e a esmola somando forças e impulsionando-as para um gesto concreto. A oração, o jejum e a esmola são potencializadas pela Campanha, pois as leva , a partir de dentro para fora e de fora para dentro, a colocar em prática o mandamento do amor a Deus a ao próximo, tendo sempre como pressuposto a justiça.
A Quaresma, sendo uma oportunidade de conversão, pode também ser uma armadilha farisaica. Vejamos: A Quaresma pietista nos faz rezar da boca para fora, sem nenhum compromisso com Deus e com o próximo; a Quaresma externa nos faz cumprir ritos por costume, sem mergulhar em nosso interior, onde encontramos o porquê de tudo o que fazemos; a Quaresma de ocasião nos faz repetir todos os anos os mesmos propósitos, sem mudar nada ou, às vezes, ingenuamente tentando remendar roupa velha com retalhos novos.
Cabe à Campanha da Fraternidade, sem omitir ou acrescentar obrigações àquelas já dispostas pela Igreja, fazer um convite para a transformação da realidade para melhor, visando uma situação urgente.
As informações mais conservadoras afirmam que acima de 30 milhões de pessoas passam fome no Brasil. Isso é inadmissível. O celeiro do mundo nega o pão nosso de cada dia aos seus filhos e filhas! Nega pela omissão, pela ganância, pela ostentação, pelo desamor. É o endeusamento do ter, do poder, do prazer. Colocamo–nos no centro e exigimos que todos os demais nos reverenciam com o se fôssemos pequenos deuses.
Quaresma sem conversão é apenas a ossatura de um propósito que se tornou oco, vazio, um nada. Neste ano somos chamados a cobrir com carne os ossos ressequidos que fazem de contas que nos sustentam, quando na verdade não passamos de um amontoado de boas intenções.
Todos são chamados à conversão: Nação, Estados, Municípios, igrejas, empresas, ONGs, grupos, pessoas, eu, você. O que cada um de nós pode fazer, a partir de suas forças e contextos, para que cada pessoa tenha acesso à alimentação saudável? Das leis nacionais às leis municipais, das comunidades às pessoas, somos todos responsáveis. Ninguém pode se auto dispensar de cumprir o mandato de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer” ( Mt 14, 16). Se não o fizermos, somos criminosos , já que nos apossamos do que pertence a todos e não semente a nós.
Não há Quaresma sem fraternidade! Uma Quaresma que não chega à partilha, merece ouvir a admoestação de Deus: “Quando estendeis vossas mãos, desvio de vós meus olhos; ainda que multipliqueis a oração não vos ouvirei. Vossas mãos estão cheias de sangue ; lavai-vos , purificai-vos. Cessai de praticar o mal, aprendei a fazer o bem!” ( Is 1, 15-17).